CAP 1. O SILÊNCIO DA BALANÇA
O barulho irritantemente alto e chato do pacote de biscoitos na calada da noite é como um trovão no silêncio do apartamento adormecido. Tábata o ouve, assim como o mastigar apressado, quase desesperado, que engole não só os biscoitos, mas também a última gota de seu autocontrole. Ela está ali de novo, na cozinha escura, com a luz do corredor mal alcançando o balcão. As embalagens amassadas se acumulam na bancada, testemunhas silenciosas de mais uma rendição. Um chocolate gigante, um pacote de salgadinhos, agora os biscoitos. E a fome? A fome permanece, um buraco negro no centro do peito que parece se expandir a cada mordida, a cada caloria engolida às escondidas.
Tábata é uma arquiteta de sucesso, com projetos premiados e uma vida que, vista de fora, é impecável. Ela mora em um apartamento elegante com uma bela vista para a cidade. É casada com Marcelo, que a ama e tenta, à sua maneira, compreendê-la. Mas a realidade por trás de sua fachada elegante conta uma história diferente. A história de uma guerra diária travada dentro dela, onde a comida é tanto o inimigo quanto o campo de batalha. As promessas de "amanhã eu começo de novo" se desfazem na primeira ansiedade, no primeiro vazio da tarde, na primeira frustração não dita. E a cada vez, a culpa vem à tona, mais pesada que os quilos a mais que a balança insiste em exibir. "Eu sou fraca", "Eu não consigo", "Não tenho força de vontade", ecoa uma voz cruel em sua cabeça.
Nesta noite, a fome parece mais voraz que o normal. Não é o estômago que ronca, mas algo na alma, um eco oco que a comida não preenche. Ela se vê caída no chão da cozinha, entre embalagens vazias e lágrimas silenciosas. O sabor doce na boca mistura-se ao amargo da derrota. "Por quê?", sussurra para o teto, sem esperar resposta. "Por que eu faço isso? Por que essa fome nunca cessa, por mais que eu coma?" É uma fome que a consome, muito além da comida. A acidez queima em sua garganta e a culpa pesa em seu estômago.
"Eu não aguento mais", murmura. "Não posso viver mais um dia assim." É um sussurro desesperado, que vem de um lugar profundo, há muito tempo silenciado. Naquele momento, no chão frio da cozinha, entre embalagens vazias e lágrimas silenciosas, Tábata sente apenas a exaustão completa, a certeza de que está presa. Ela se levanta com dificuldade, o corpo pesado pela comida e pela tristeza. O cheiro de chocolate ainda paira no ar, misturado ao aroma cítrico do desinfetante que ela borrifa freneticamente na tentativa de apagar não só o cheiro, mas também a evidência de seu fracasso. As migalhas, por mais que varra, parecem insistir em lembrar que, mais uma vez, ela falhou. O pacote vazio de salgadinhos, escondido no fundo da lixeira, é um troféu macabro de sua derrota. Ela se apressa, imaginando Marcelo se virando na cama e percebendo sua ausência, ou o sol que logo despontará, revelando sua fraqueza. Seu segredo é seu fardo mais pesado.
Depois de limpar, Tábata caminha lentamente de volta para a cama. Cai sobre o colchão, exausta, os olhos ainda marejados. Em pouco tempo, um grito estridente rasga o silêncio do quarto. O alarme do celular brilha com a hora: 6h00. Um "novo dia" já começou. Ao lado, Marcelo ainda dorme suavemente. Ele é um homem bom, seu porto seguro em muitos aspectos. Mas, para essa batalha invisível, ele é um continente distante. Tábata o ama, mas sabe que ele não compreende. Suas tentativas de consolo são bem-intencionadas, “Você está linda, amor", "Não precisa se preocupar com isso", mas só a fazem sentir-se mais sozinha, mais incompreendida. Como explicar que não é sobre estar linda ou não, mas sobre uma fome que a devora por dentro?
Ela se levanta em silêncio novamente, tentando não acordá-lo. O ritual matinal já está estabelecido. Primeiro, a academia, onde tentará "queimar" o que comeu. Depois, o escritório, onde se esconderá atrás de plantas e projetos. E, em algum momento, virá a voz de Sofia, sua melhor amiga, com a última dica de dieta ou o novo superalimento do momento. Sofia, com suas intenções de "ajudar", muitas vezes só reforça o pânico de Tábata em não estar no "padrão".
Ao passar pela balança no banheiro, Tábata hesita. Seus olhos se fixam no visor digital, como se ele fosse um oráculo que ditava seu humor para o dia. Os números sobem, confirmando seus piores medos. Um suspiro pesado escapa de seus lábios. Aquele pequeno aparelho de metal é seu carrasco silencioso, e ela se sente um fracasso completo. Tábata se olha no espelho, o reflexo devolvendo um cansaço que vai além da falta de sono. Ela sabe que as promessas de "amanhã eu mudo" já não servem. Não há mais fé em dietas, em canetas milagrosas, em mais um tipo de chá que promete queimar gordura. Ela já tentou de tudo, perdeu e ganhou peso tantas vezes que as memórias de sucesso e fracasso se misturam em um borrão doloroso. O que pesava agora, mais que o próprio corpo, era a sensação sufocante de aprisionamento nessa guerra infinita. O dia mal começou, mas para Tábata, ele já prometia ser mais uma repetição cansativa de uma batalha que parecia não ter fim.
CAP 2. O JULGAMENTO SILENCIOSO
O dia de Tábata começava, como sempre, com uma batalha silenciosa. O alarme das seis da manhã não a chamava para um novo começo, mas para o primeiro campo de guerra: a academia. O corpo pesado resistia ao edredom, à promessa de mais uma hora de suor inútil. "Vai, Tábata. Você precisa queimar o que comeu. Eles vão te olhar." A voz cruel em sua cabeça já estava ativa, ditando cada passo.
Tábata tinha 1,65m e pesava 72 quilos. Não era uma obesidade clínica, não tinha problemas de saúde diagnosticados que a impelissem para a academia com urgência médica. No papel, estava apenas "ligeiramente acima do peso ideal", um número arbitrário que as tabelas ditavam e que ela jamais alcançava sem sacrifício brutal. O "peso ideal" era um fantasma, uma medida de sucesso que se recusava a se materializar em sua balança. Apesar de todos os discursos que ouvia e até repetia para si mesma: "o importante é se amar e se aceitar como é", "saúde vem em primeiro lugar”, no fundo de sua alma, Tábata se ressentia profundamente de seu corpo. De seus quadris mais largos, das coxas que se tocavam, da barriga que teimava em não ser chapada, das formas "não definidas" que a afastavam do padrão de beleza que via em revistas e nas redes sociais. Não era por saúde que ela ia à academia, mas por uma busca incessante por um corpo que a sociedade e, principalmente, ela mesma, consideravam "certo".
Ao chegar, o cheiro de suor e borracha misturava-se ao aroma doce dos isotônicos e perfumes caros. Para Tábata, aquele lugar não era um templo de saúde, mas um palco cruel de comparações. As "gostosonas", como ela as apelidava mentalmente com uma mistura de inveja e autodepreciação, já estavam lá. Pernas torneadas em leggings impecáveis, sorrisos confiantes, corpos que pareciam esculpidos. Elas riam, conversavam com os instrutores, recebiam atenção, seus corpos exibidos sem pudor, cada curva uma... (ACESSE O LINK ABAIXO PARA ADQUIRIR SUA VERSÃO DIGITAL (KINDLE) PARA CONTINUAR A LEITURA DO LIVRO)
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